3 rotas para sair do bloqueio criativo

“Penso, logo não estou aqui.” 

— Thich Nhat Hahn

Em janeiro de 2017 eu estava passando por um período de seca criativa. Nada jorrava, nada saía. Ideias eu tinha aos montes, mas em determinado momento precisamos saber diferenciar o que são ideias de IDEIAS. As com letra maiúscula chegam com uma certeza que nos move, engaja e coloca para trabalhar; as outras ficam revirando em nós como balas sem graça dentro da boca. Não existe sobre elas a classificação de boas ou ruins; muitas das minhas ideias que não vão a frente são ótimas, elas só não me incendeiam ao ponto da ação.

Enfim, seca. Foi nessa época que descobri os benefícios do mindfulness (também conhecido como Atenção Plena) e do silêncio para a escrita. Foi nessa época também que uma dor nas costas violenta me forçou a dar adeus ao sedentarismo. Como havia uma academia de Pilates perto de casa, optei por fazer Pilates para voltar a sentar.

Essas três mudanças – atenção plena, silêncio e exercício físico –  foram o propulsor que me tiraram da seca, e queria falar um pouco deles aqui.

Como assim?

Para o escritor intuitivo, a escrita é um estado de espírito. Tudo que o corpo sente reflete na mente, e tudo que se instala na mente reflete no corpo e, consequentemente, na escrita. As vezes precisamos mudar algo na vida para escrever melhor, simples assim.

O fato é que quando estamos passando por um período de seca, precisamos mudar. A seca indica que algo está em desequilíbrio: seu corpo, sua mente ou seu espírito andam fazendo algo demais ou de menos. Não adianta achar que o exercício vai trazer inspiração e treinar até colapsar – como não adianta achar que se matar de escrever, meditar sem parar, esquematizar obsessivamente seu enredo ou não dormir para completar a cota mensal de palavras vai fazer algum bem. A rigidez do corpo, da mente ou do espírito espanta a criatividade. Está tudo ligado, não há fronteiras.

As fronteiras são fruto da mente racional.

Seu estado de espírito não entende de músculos, falta de tempo, vontade, dor nas costas, nada disso. Mas ele entende perfeitamente bem quando uma mudança se instala,  e responde de maneira assustadora a ela.

O segredo está na mudança. Ao mexer com os músculos e a respiração, uma mudança começa a tomar forma na mente. Sejam devidos aos hormônios de prazer que inundam o corpo, seja porque nosso padrão de sono se regulariza, porque ao nos concentrarmos no corpo tiramos o peso da mente, ou porque por uma hora exercitamos o silêncio – o fato é que sua criatividade vai aumentar. Se você se concentrar durante o exercício no músculo, no diafragma, na respiração, no corpo, a mente parece ganhar espaço. Abre os braços, estala as costas, respira aliviada — ufa, ela(e)  parou de pensar um pouquinho!  – e pode se manifestar. Por isso não vale fazer o exercício pensando nos problemas — o segredo é desligar-se dele, e mover o corpo.

Se você já faz exercícios , sabe bem do que estou falando. Com o tempo, você terá que passar a levar os cadernos de anotação para a sala de aula ou academia, por que as ideias fluirão tão abundantes que você vai sentir pena de não escrever todas elas.

Mas e se você não tiver tempo? Se não puder começar uma academia, uma ioga ou natação, reserve  alguns momentos por dia e alongue-se no chão. Respire profundamente, concentre-se em esticar os braços, abraçar as pernas. Quando puder ou a vida permitir, você faz.

O segredo do silêncio

Nathalie Goldberg, autora americana que escreve sobre escrita criativa diz que por trás da escrita existe a não escrita, e que a gente precisa conhecer este lugar. Através do silêncio e da meditação chegamos ao momento presente, tornamo-nos íntimo com todas as coisas e passamos (de acordo com a teoria zen)  a ser todas as coisas. É mais fácil escrever sobre um personagem quando se é ele. É mais fácil escrever sobre uma paisagem quando se é ela. 

Mas chegar a esse estado de não escrita não é fácil – a gente precisa de estrutura. Esse é um mundo onde estão todos muito ocupados falando, falando, falando. Nossos pensamentos querem atenção, são gritões, e geralmente péssimos para a nossa escrita. Na verdade, ao estabelecer a prática do silêncio, sua mente se revoltará. Ela quer continuar a comandar o show, mas a paz mental não vai deixar (falo mais sobre isso aqui).

Por isso, a dica é: escolha uma parte do dia para ficar completamente em silêncio (silêncio,  inclusive, interior) e pratique por alguns minutos a meditação. Não precisa passar uma hora meditando, mas cinco a dez minutos antes de começar a escrever ajuda. É como fazer uma faxina na mente barulhenta para deixar o inconsciente falar.

E esse tal de Mindfulness?

A mágica da Atenção Plena (ou Mindfulness.)

Descobri a atenção plena com uma amiga coreana, Zen budista e seguidora de Thich Nhat Hahn. O que o mindfulness prega é exatamente o que o nome em português diz: a atenção plena ao momento presente. Foi essa prática simples que me ajudou, em 2011, a parar de comer carne. Sou eu quem cozinha em casa, e minha família não aderiu à minha dieta. Como cozinhar carne sem ter vontade de comer? A resposta estava em prestar atenção ao que eu podia comer, e não ao que eu não podia. Ao arroz e suas texturas, o feijão e seu sabor, os temperos, as folhas, os legumes. A comida mudou para mim, e a transição para o vegetarianismo foi mais tranquila.

A atenção plena é a arte de prestar atenção ao momento. É estar onde o corpo está, ancorado pela respiração, atento ao que está à frente, e não em outro lugar. É uma das ferramentas mais importantes do escritor, porque só atentos podemos prestar atenção aos cheiros, sons, imagens e texturas do mundo – e é disso que se compõe a escrita. A escrita criativa urge, implora por atenção. Aos detalhes, à união dos nós, dos fios que se interconectam.

Uma conversa no café, quando você sente seu mundo desmoronando. A atenção ao cheiro do café moído e recém coado; a sola gasta da garçonete que aguarda encostada no balcão o próximo pedido. O jeito como sorri para o barista, que parece um flerte, ou uma desculpa. A marca do anel no dedo, indício de que alguma coisa morou ali e hoje não mora mais. O olhar vazio para porta, como quem espera a chegada de alguém. A textura da toalha cor-de-rosa e do vaso de vidro azul. O cheiro da gérbera colocada ali exatamente hoje. 

É disso que se faz uma cena, um livro ou um personagem.

Bem, essas eram as dicas que queria compartilhar hoje. A prática estruturada de se exercitar, respirar e estar atento é um aviso ao poderoso inconsciente de que você está pronto(a) e ele pode se aproximar.  Mas é importante praticar, e não desistir – vamos ficando mais fortes com a prática. Ela vai acordar uma força vital que não está – não é – explicada ou compreendida pela razão.

Fiquem bem!

Com amor,

Assinatura Karina

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