Como? Escrever à mão?
Eu sei, a gente entende. Você se orgulha de escrever 5.000 palavras em uma tarde, coisa que a maioria de nós não consegue. Você se acostumou ao ambiente, ao processo, ao barulhinho das teclas, à limpeza da Times New Roman em preto contra o papel branco. Você adora aquela nitidez controlada, se perde nas fontes que ornamentarão seu título, e o simples fato de chegar alguém e dizer: “escreva à mão” faz você se contrair de desespero.
Eu sei, seu rosto continua franzido. Você está pensando: de jeito nenhum. Uma página escrita à mão demora uma eternidade para ser preenchida, enquanto uma página digitada surge num piscar de olhos. E no mais, sua letra é um pesadelo, e você não tem tempo a perder. A gente entende.
Só que recentemente a ciência tem feito umas descobertas interessantes sobre o ato de escrever. Na mesma onda, escritores profissionais, instrutores de escrita criativa e estudiosos da área andam dizendo em coro que escrever à mão é melhor para você.
Quer ver o que anda sendo escrito por aí? Olha só:
Diz a ciência…
a) …que quem escreve à mão aprende melhor
Uma das maneiras mais eficazes de reter novas informações é escrever suas notas à mão. O motivo? Desenhar as letras no papel estimula células na base do cérebro, um lugar chamado de “sistema de ativação reticular”, ou, em inglês, “RAS”. De acordo com o site lifehack, “o RAS atua como um filtro para tudo que o seu cérebro precisa processar, dando mais importância ao material que você está focando ativamente neste momento – algo que o ato físico de escrever traz para o primeiro plano.” E quer saber? Tudo que escrevo à mão fica melhor retido na memória. (Ou você nunca escreveu aquela cola no dia da prova e se surpreendeu, na verdade, que nem precisava mais dela?)
b) …que a internet distrai você da sua escrita.
Não é preciso ser cientista para saber que perdemos horas preciosas assistindo filmes de ‘gatíneos e cachorríneos’ em janelas abertas ao lado da página em branco do Word, enquanto deveríamos estar escrevendo. Ah, e nem finge não saber que aqueles milhares de gifs curtinhos dariam, se somados, a idade da Terra. Enfim, tenha à frente uma caneta e uma folha de papel e eu duvido que você não sinta uma ligeira alteração no fluxo de tempo. Aqui, no caso, ele se estende…
c) …que escrever à mão é malhar o cérebro
Escrever à mão é como levar o cérebro para a academia. De acordo com o The Wall Street Journal, médicos afirmam que o ato de escrever, além de utilizar competências motoras, é um ótimo exercício cognitivo. (Vamos lá, força! Um, dois, um, dois)
d) …e que, acredite você ou não, escrever à mão faz de você um melhor escritor
É nesse ponto que eu quero chegar.
Muitos autores famosos optaram pela escrita manual, como por exemplo Susan Sontag e Truman Capote. Ambos escreviam a primeira versão de seu manuscrito à caneta ou lápis. Na verdade, cursos atuais de escrita por todo o globo incentivam seus alunos a deixarem o computador de lado e se entregarem à escrita manual. Os motivos são atraentes:
Dizem os profissionais da área…
a) …que escrever à mão é exercitar a receptividade.
A prática da escrita é se treinar na arte de perceber o mundo. De receber os estímulos com mais facilidade. Sabemos que a escrita mais honesta vem de observação profunda. Basta se conectar com o mundo que algo “flui”.
De acordo com a instrutora de escrita criativa Sarah Selecky,
“corremos para lá e para cá a maior parte do dia, percebendo as coisas em um nível superficial. Para escrever algo que toque o outro, é preciso enxergar além. Perceber o mundo em profundidade é como ter um insight: nesse estado de espírito pode-se notar mais facilmente cenas verdadeiras, em vez de abordar as coisas em um nível óbvio, raso. E isso a escrita manual propicia.”
Enfim, escrever à mão transforma a experiência da escrita em algo mais artístico e menos superficial.
b) …que é fácil supereditar em frente à uma tela.
Supereditar, aqui, é editar demais. Editar em excesso. Vários escritores sugerem que deixemos, na primeira versão de nosso manuscrito, as palavras rolarem soltas. O problema é que nem percebemos quando subitamente copiamos um parágrafo que nos desagradou e apertamos sem dó o del.
“Quando você pressiona o del no computador, você apaga suas idéias antes mesmo de ter a chance de processá-las,” diz Selecky. Pergunte-se: por que você escreveu aquilo? Será que durante o fluxo não deixamos escapulir do inconsciente informações valiosas sobre nós, sobre nossa escrita, nossos medos e desejos? Quando a frase excluída desaparece da página, ela desaparece de sua consciência também.
“Quando escrevemos o primeiro esboço, não sabemos se o que está saindo é bom ou não – simplesmente não temos acesso a esse julgamento nesta fase. Estamos no momento de exploração, o que significa desativar a análise crítica. Escrever à mão, por sua vez, cria um mapa de nossas explorações. Mesmo se riscarmos uma frase, o resto continua lá, na página; sua presença afeta a frase seguinte que você escreve, e as frases depois disso. Quando você está escrevendo um primeiro rascunho, tentando adivinhar sua história, você precisa desses marcadores para orientar o seu subconsciente. Eles são o seu material.”
c) …que para o seu cérebro, escrever à mão é fazer arte.
Eu amo essa parte e se só houvesse ela como explicação, eu já me daria por satisfeita.
O fato é que o ato de colocar tinta no papel – de desenhar as letras – ativa o hemisfério direito de seu cérebro. Esta é a parte do cérebro que vê em imagens.
A instrutora do site Story is a State of Mind nos desafia a fazer um experimento:
“…em um pedaço de papel em branco, escreva uma lista de palavras que começam com a letra “B.” Escreva as palavras muito lentamente, como elas vêm para você. Todas devem ter letras maiúsculas, e serem mais ou menos desenhadas como se você fosse um calígrafo. Alinhe-as uma sob a outra fazendo uma coluna de palavra. Continue a brincar com as formas das letras enquanto escreve as palavras. Experimente sentir a criatividade inundar o seu hemisfério direito. Você está trabalhando com a linguagem, sim, mas você também está brincando, está desenhando. Em seguida, vire a página, e continue a escrever à mão, desta vez usando personagens e voz. Você agora está aquecido. Seu cérebro se sente flexível, elástico. Faça isso por 10 minutos todas as manhãs.“
(Eu já comecei a treinar. )
E finalmente…
d) …que a escrita à mão é mais real.
” Na escrita manual há uma conexão vital da cabeça-mão-página que um teclado e um computador limitam. Quando você escreve em texto, você está inconscientemente ciente dos aspectos de sua prosa – como o comprimento da frase, a cadência, o ritmo, a repetição, a prolixidade – que a escrita do teclado não o alerta da mesma maneira.[…] A página reflete o esforço mental que a tela não faz. ” – William Boyd
Segundo esse texto do Story is a State of Mind, se você quiser desenvolver um relacionamento saudável com sua escrita, deve faze-la (a sua escrita) saber que é importante e especial para você. Ou seja: “Quando você ama algo, você escreve à mão.”
Escrever à mão dá mais trabalho, e isso valoriza a escrita manual. Convites de Casamento são caligrafados, cartas de amor são escritas à mão. Receber uma carta de alguém que se deu ao trabalho de escreve-la é, segundo o site, uma forma de transmissão. Há energia na caligrafia, e o seu corpo reconhece isso.
“O ato de se engajar-se em cada letra, palavra e frase em um nível lento, imperfeito, tinta-no-papel muda completamente a experiência de escrever. Pode ser desconfortável, especialmente no início, se você está acostumado(a) a digitar. A transição pode até ser dolorosa (especialmente se você tem artrite ou tendinite) mas valerá a pena.” – Sarah Selecky
É você e seu objeto de amor –as palavras- tendo um contato íntimo. É profundidade e concatenação de ideias, é surpreender-se com o fato de que há clareza naquela escrita, uma transparência quase mágica. A mensagem que você passa para o seu cérebro é: Eu estou prestando atenção. Eu estou tendo com você uma relação íntima. Por ser uma experiência íntima e profunda, não deverá nos espantar se, de uma maneira inexplicável, um canal se abrir entre nós e o papel que tentamos tão arduamente preencher.
Ando tentando escrever mais à mão, e tenho me surpreendido com o fluxo de palavras que antes vinham com dificuldade. Para falar a verdade, eu me apaixonei pela escrita à mão. Vejo o ato como um gesto de amor à profissão que escolhi. Vejo como cuidado, como o artesão vê seu trabalho.
Espero que esses pontos tenham te convencido do benefício de escrever manualmente. Se vamos ( você e eu) conseguir escrever o dia inteiro à mão, não sei (eu não consigo). Mas talvez uma parte do dia, ou certas partes do livro.
Boa sorte se tentarem também! Não deixem de deixar ali embaixo suas impressões sobre o assunto: funcionou para você? Já tentou? Como foi?
Beijos e até!
Karina
Gostei. Uma coisa é muito certa para mim: escrever a mão exercita a memória e acho que a inteligência também. Eu assimilo muito mais quando escrevo à mão. E meus alunos também. E outra coisa muito certa também. A internet distrai a gente. Olha eu aqui lendo esse artigo quando deveria estar escrevendo. hahahaha.
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hahahah Obrigada por comentar, Vania!
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Excelente post (a ideia), principalmente para estes dias… só me surpreende lembrar que escrever a mão hoje, não é algo natural (as vantagens de não ter nascido neste tempo)…
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Não é fácil apagar séculos de escrita de nossos cérebros, Jackson! Arrisque-se a escrever a mão e você pode se surpreender! Obrigada por comentar!
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