Mitologia para escritores: Os 10 mandamentos de Campbell para ler (e escrever!) mitologia

Você já parou para pensar no que são os mitos, e como eles podem ser importantes para quem escreve?

Mitos são histórias sobre deuses, heróis e eventos cósmicos contados ao redor do mundo. Eles personificam questões profundas e fundamentais, expondo de forma alegórica a vida que se desenrola fora e dentro de nós. Eles são um bom auxílio na hora de explicar as eventos que nos rodeiam – o amor, o ódio, a inveja, a guerra e a paz, o bem e o mal – e como verdadeiros “sonhos do universo,” tocam direta e profundamente o mundo emocional das pessoas.

(Não seria exatamente isso que a gente descreveria se nos perguntassem: o que você gostaria de escrever?)

Segundo Joseph Campbell, um dos mais famosos mitólogos de nosso tempo, a mitologia teria quatro funções:

  1. a função mística – em que o mito serviria para nos reconciliar com o sagrado; para ligar nossa consciência às pré-condições da existência, dando assim sentido à nossa própria mortalidade;
  2. a função cosmológica – em que o mito nos ajudaria a mensurar o incomensurável, a dar sentido de nossa existência curta e pequena perto de um cosmos tão vasto;
  3. a função sociológica – em que o mito ajudaria uma cultura a suportar/ validar suas ordens sociais, servindo tanto para unir grupos sob os pilares essenciais dos códigos de conduta moral, como também para julgar partes do todo (ex.: os mitos gregos, que criaram mitos que justificariam sua sociedade patriarcal);
  4. e, finalmente, a função psicológica – em que os mitos nos ajudariam a entender temas humanos permanentes, como o amor e vingança, mortalidade e imortalidade, conhecimento e falta de conhecimento, maternidade e paternidade, etc.

O fato é que ler mitologia abre nossa mente e alma para nossos padrões psicológicos. Eles ainda aumentam nossa imaginação criativa (gerando imagens poderosas na mente) e nos incentivam, através de seus feitos e realizações prodigiosas, a partir em busca da conquista de obstáculos (internos ou externos) que antes pareciam insuperáveis.

Que ler mitos faz bem, nós sabemos. O que queremos saber aqui é: como podemos usá-los em nossa escrita? Como podemos forjar/ imaginar personagens e enredos que se norteiem pelos objetivos e ideais de seu tempo? Pela verdade interior que guia suas ações, cientes de porquê suas bússolas internas apontam para determinada direção? Como incorporar elementos mitológicos em nossos textos, e/ou trazer as funções dos mitos para a nossa história?

São perguntas difíceis, mas não impossíveis de serem respondidas. Foi por acaso que me deparei com os dez mandamentos de Campbell para ler mitos, e como eles podiam nos ajudar a escrever melhores histórias. Antes de escrever esse texto, pesquisei ao redor para saber se esse mandamentos estavam mesmo em alguma obra de Campbell, mas não achei a referência (o site de onde tirei os mandamentos apontavam apenas o livro Myths to live by como fonte, mas não encontrei nada a respeito em suas páginas. Quem souber de onde esses mandamentos saíram, deixe ali nos comentários, por favor!)

Os dez mandamentos para ler mitos:

 

  1. Leia os mitos com um olhar de encanto; maravilhe-se com o mistério, com a sua origem.

Se você quer transportar o leitor para o universo mágico, você mesmo precisa saber chegar a um estado de encanto, admiração e abertura. A sugestão aqui é: retorne ao tempo em que ler lhe causava assombro. O que aquelas histórias continham? O que elas falavam – ou deixavam de falar – que permitiam à nossa imaginação preencher as lacunas com nossos medos, esperanças e desejos?

Minha sugestão é que você folheie livros de mitologia e se deixe guiar pelo instinto. O que chama a sua atenção? Que histórias captaram o seu interesse imediato? Após a quinta, sexta história, você estará pronto para descobrir o denominador comum entre elas, aquele traço único que ressoa em você. Ali se esconde algo que pode te inspirar.

  1. Leia os mitos no tempo presente: a eternidade é agora.

Ler mitos no passado pode nos dar a ideia de que aquilo é velho e ultrapassado; que não nos diz mais respeito. No entanto, mitos não tratam de ordens sociais pontuais. Eles tocam um veio subterrâneo que corre em nosso inconsciente compartilhado, eles lidam com coisas que mexem com todo e qualquer humano. Traga sua história (que pode se passar no futuro, no presente ou no passado) para o drama humano atual. Incertezas, dores, angústias – esses são temas presentes, atuais, e que podem ser beneficiados se lermos os mitos como se estivessem falando conosco hoje.

  1. Leia os mitos no plural: os deuses e deusas de toda a mitologia vivem dentro de nós.

“Antigos deuses e deusas eram seres imortais, que olhavam para a humanidade como brinquedos e passatempos.” Traga esses deuses superiores para a esfera humana, e relacione sua superioridade com sistemas, líderes, ou sintomas humanos. Coisas incríveis podem acontecer quando sobrepomos existências e alteramos as circunstâncias.

  1. Todo mito atrai, repele, ou desencadeia sensações contrárias. Todos esses sentimentos são seus para explorar.

Mitos servem à função psicológica de explicar nosso universo interior. Ao contrário do que gostamos de aparentar, temos todos os sentimentos em nós – tantos os bons quanto os ruins – e a eterna batalha da vida é suprimir o ruim e deixar aflorar o que é bom. Personagens uni-facetados são rasos e esquecíveis. A mitologia está repleta de histórias de deuses que dão e tomam a vida, que matam e dão a vida, que erram e acertam. Antes que você empurre uma obra para longe por antipatizar com determinadas ações, estude-as. Elas podem ser úteis para as suas histórias (e também para compreender e domar os seus próprios demônios).

  1. Olhe, ouça e sinta o padrão: é para isso que os mitos existem.

“Histórias baseiam-se nos padrões repetitivos da vida, criando ecos e ondulações à medida que se repetem. À medida que ouvimos as histórias, sentimos a emoção do familiar, um déja vu que ressoa com nossas próprias experiências. Esta familiaridade nos atrai, levando-nos para as profundezas e os detalhes da história individual.”

O que podemos achar tanto nos mitos antigos quanto no presente? Que padrões repetimos desde os tempos de Gilgamesh, ou dos deuses do Nilo?

  1. O sagrado existe também no mundano.

É fascinante ouvir sobre grandes verdades através de parábolas aparentemente simples (como as de Jesus Cristo), ou como elementos cotidianos explicam o surgimento do mundo (como as lágrimas formam os rios na mitologia indígena). Na verdade, grandes histórias sagradas tem os pés fincados no mundano. Na pessoa normal, nos elementos que ela manuseia no dia a dia, nos animais que nos fazem companhia. Assim, nossa fantasia não precisa ocorrer em uma galáxia diferente para evocar a mágica; ela pode acontecer em qualquer lugar, e ter o pé bem fincado no mundo que consideramos real e ordinário.

  1. Mitos podem ser gerados em qualquer lugar, a qualquer hora, por qualquer coisa: Buda também vive no chip de computador.

“O mito está onde você o encontra. Está nos padrões diários e no significado que encontramos nos eventos individuais. Está na cozinha, na rua e em cada esquina, esperando para se desdobrar.”

“O mito funciona porque se conecta com a realidade, o que significa que a realidade se conecta com o mito. Se você pode criar mitos de incidentes diários, então você pode trazer significado profundo para as histórias que você conta.”

  1. Os mitos nunca surgem no vácuo; Eles são o tecido conectivo do corpo social, sinergisticamente relacionando mitos privados (sonhos) e rituais (mitos públicos).

“Os mitos são históricas compartilhadas que se enquadram em comunidades humanas, onde uma compreensão e o significado são passados adiante através de histórias sobre o que funciona, o que é bom e o que é socialmente inaceitável. Os mitos nos conecta aos outros. Você pode entender que as conexões e como elas funcionam, você pode trabalhar com elas, construindo e mudando uma comunidade.”

  1. Os mitos significam: A terra é o nosso lar e a humanidade é a nossa família.

Leia mitos de culturas diferentes; leia os seus próprios mitos. Escrever é ensinar alguma coisa, mas também é aprender. Ouça o que as pessoas tiram de suas histórias. Tentem entender porque ela/ele achou aquilo, ao invés de rebater ou impor a sua intenção. Depois que a história saiu de você e chegou ao mundo, ela não é mais sua.

  1. A Imaginação é fugaz. Mitos são para a vida.

“[Nenhum ]Significado está embutido inerentemente nas palavras – ele sai do todo. […] Escreva e conte histórias nas entrelinhas. Quando você conta histórias, está pintando significados, não falando palavras. Lembre-se também de que o significado não vem do que você diz ou como você o diz – você é apenas um veículo, um facilitador – o significado aparece para o indivíduo na inferência que cada ouvinte executa.” “O objetivo do narrador é entender e propagar o significado.”

Um dos conselhos mais úteis que podemos ouvir, como escritores, é aquele que nos explica como funciona a mente do leitor. Tendemos a achar que explicações abundantes deixam a marca na cabeça do leitor, quando na verdade, ao expor demais, diminuímos sua chance de exercitar a criatividade. No jazz, os músicos muitas vezes omitem as notas para que seu público possa preencher as lacunas, permitindo uma experiência mais rica para eles.

O mesmo deve ser feito na literatura: criar esboços incompletos, “estruturas vazias” onde os leitores podem preencher a falta com sua própria imaginação – e dúvidas, e afetos, e questões – torna a leitura muito mais pessoal e profunda.

Não podemos nos esquecer que a função mais poderosa do mito é aquela que criamos para nós. Entender a mitologia que nos envolve – e que veio antes de nós, explica nossas crenças e norteia os nossos passos – é ganhar, de uma fonte inesperada, a coragem e audácia para enfrentar os obstáculos do caminho.

Somos todos heróis de nossa própria história, e de heróis em heróis acabamos inspirando os mitos. Que eles nos inspirem, agora!

 

Um grande abraço,

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Leia mais em:

http://changingminds.org/disciplines/storytelling/telling_stories/campbell_commandments/campbell_commandments.htm

https://fractalenlightenment.com/36315/life/joseph-campbells-four-basic-functions-of-mythology | FractalEnlightenment.com

5 comentários em “Mitologia para escritores: Os 10 mandamentos de Campbell para ler (e escrever!) mitologia

      1. Opa, com muito prazer!

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